Minha querida Duília,
Posso, de antemão, vislumbrar o sobressalto que lhe atrapalhou o bordado
quando a criada anunciou a chegada desta carta: a senhora certamente pensando
tratar-se de mais uma das anônimas que ameaçam revelar nosso segredo,
surpreendendo-se com minha ousadia em enviar, bem debaixo do bigode de seu
marido, esta carta que tenho ainda em minhas mãos. Nesse mesmo quadro, vejo-a
maquinando uma boa desculpa para escapar do olhar inquisidor do canalha que já
indaga sobre o remetente e, antes que tal imagem volte às profundezas obscuras
da imaginação, consigo testemunhar seus passos apressados para o quarto onde
não será interrompida. Não me furto de perguntar: deste as duas voltas na
tranca da porta? Conhecendo-a já com certa intimidade, sei que não e, por isso
mesmo, é meu dever concluir logo o que reluto em dizer.
Não devemos mais nos ver. Dói-me o peito dizer tal coisa, como se uma
das flechas cravadas no santo Sebastião tivesse também me trespassado a carne.
Saiba a senhora que o amor outrora declarado ainda existe e é forte como o fogo
da lareira que tenho agora aceso, mas temo, sobretudo, pela senhora. Não crês
no que digo? Pois tenha em mente que, se fecho os olhos, ainda posso vê-la como
na primeira vez: o vestido de baile da senhora rodopiando naquele salão
elegante, o aroma fresco da lavanda que usaste naquela noite sublime, o olhar
discreto que trocamos. Da mesma forma, sem ter presenciado com estes olhos,
apenas pelo que me contaste, posso vislumbrar os maus tratos de seu marido,
aquele crápula. E justamente por isto, por saber do que o bandido é capaz,
julgo ser demasiado arriscado continuarmos a nos ver. Esses meses foram
deliciosos, mas bem sabes que o laço da corda está a cada dia mais estreito.
Rogo-lhe que não tenhas nenhuma atitude monumental. Deixe os arroubos
para as leituras ou para os sonhos. Sejamos sensatos e equilibrados neste
momento. Prudentes, eu diria, como nos esquecemos de ser em todo este idílio
amoroso. Portanto, minha senhora Duília, minha querida Duília, queime esta
carta e livre-se dos vestígios. Não tente me encontrar. Sim, vou desaparecer
por uns tempos e não posso confiar meu destino a ninguém, pois qualquer um,
amigo ou adversário, pode ser o autor das tais cartas anônimas que destroem
nosso laço. Sinceramente, espero poder ainda revê-la. E que este tempo seja
breve.
Do sempre seu,
Carlos.