2 de set. de 2011

 Branco Azulado

      Tenho 31 anos. Estou na fila do supermercado. Não tenho vontade de olhar pra ninguém, aliás nunca tenho vontade de olhar pessoas que fazem compras. Parecem zumbis. Evito até mesmo o meu reflexo no vidro da porta da geladeira que guarda os congelados. Sou tão zumbi quanto os outros, porém pior. Tenho consciência disso. Mentira. Não é por isso, afinal não posso ter certeza do que os outros sabem ou não de si prórpios. Sou pior por isso, por ser arrogante e pretensioso. É isso sim. E que se fodam os outros que fazem compras! Não me importo com eles. 
      A senhorinha na minha frente tem o cabelo branco azulado. Não fosse essa cor esdrúxula, eu ficaria com inveja. Tenho um, no máximo três fios brancos no cabelo. Acho bonito cabelo grisalho. Grisalho, e não branco azulado. Ela se vira empurrando seu carrinho para longe da fila. Olho pra outro lugar, fingindo não perceber o movimento. A música tocando nos meus fones de ouvido está tão alta que me serve de álibi. Sinto culpa e remorso. Porra!, podia ser minha vó! Não. Minha vó pinta o cabelo. Ainda bem. Branco azulado é nojento!
    O que há comigo? Tenho 31 anos, estou na fila de um supermercado, na merda de uma fila de supermercado, criticando o cabelo branco azulado de uma senhora que não conheço e que deve ser uma santa! Que tipo de pessoa tem pensamentos assim? Resposta: EU! Poucos cabelos brancos, pouquíssimos amigos, algumas viagens, não tantas quanto gostaria, famíliares que me amam, mas não me conhecem como deveriam, um namoro legal, às vezes não, sem filhos, grana curta, mas a porra de uma imaginação mais fértil que estrume! De que serve isso? Só pra escrever histórias e mesmo assim sobre coisas tão... nem tem adjetivo! Esdrúxulas é pouco pra descrever.
      Sinto-me como um português num mato sem cachorro. Se bem que os portugueses andam em alta, vide os bonitões que andam invadindo a teledramaturgia brasileira. Mesmo meditando tanto, confiando nos ensinamentos da minha guru - é, eu tenho uma guru -, parece que não vou mais além do que já fui. Será? Não consigo aceitar isso e recuso-me ao acomodamento, mas também não sinto confiança na vida. Porra, isso é muito ruim de se dizer, eu sei que é. Ruim e perigoso. Mas é isso mesmo. Caso contrário, é claro que ajudaria a senhorinha do cabelo branco azulado a tirar o carrinho, e ainda ofereceria um sorriso simpático, concordaria respeitoso com seu comentário sobre a falta de caráter dos políticos brasileiros e, quem sabe, acrescentaria algo sobre o desempenho desse ou daquele personagem da novela das nove. Isso me parece ser o correto, normal, decente e, arrisco dizer, moral! Porque não há nada demais no cabelo dela. É até cheiroso. Deve ser alfazema, alecrim, comprados ali mesmo no supermercado, na prateleira atrás de mim. Eu deveria agir assim, sentir-me assim, fazendo parte daquele ser miúdo bem na minha frente, afinal como posso saber o tom que meus cabelos brancos vão ter no futuro?