Trecho do conto "O homem-aranha" que faz parte do meu livro de contos 'O beijo atrás do poste' (lançamento em 2013).
Eles capturam a paisagem
esperando uma tragédia, pensava. Vejam: com suas lentes, mesmo separados, formam
um bloco luminoso e barulhento, andaluz – porque é isso o que fazem ao andarem
conforme o balé da luz e da sombra, mas é mentira dizer que procuram a beleza
dos matizes. Às vezes, precisam espantar o sol para ver inutensílios (objetos
de sangue como florezinhas e musgos). Estão sempre à espreita, em eterno estado
de alerta – são gatos prestes a disparar ao menor sinal de vida, e hoje terão seu
espetáculo.
Pois olhem: o rato!
Estava sentado quando a
menininha subiu no muro e foi escalando o alambrado; sentado ainda quando o
vestidinho rosa se prendeu numa ponta de arame e ela ficou pendurada; quase em
pé no momento em que o vestidinho começou a rasgar, o objeto de sangue perdeu sua cor e o
bloco luminoso foi se formando diante da cena; completamente em pé quando a menininha
caiu no fosso dos jacarés. Parado, em suspensão, ouvia o desespero da mãe, do
pai, do irmão, dos avós, familiares distantes, ancestrais esquecidos, cachorro
de estimação guardando a casa.
Absurdamente, sentiu-se em
movimento: pés mal tocando o chão, olhos procurando uma brecha no meio do empurra-empurra
das câmeras, pernas correndo sem freio, em esperta velocidade, como o menino
que enfim cria coragem e corre para furar a onda, coração desgarrado antes do
choque na água gelada. Imaginou-se batendo contra o muro espesso de curiosos, abrindo
caminho com a força das garras, alargando espaços, derrubando a câmera de um,
fazendo a de outro tremer, atrapalhando as imagens, invadindo o mundo com fúria
espetacular.
(...)
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