4 de jan. de 2013


Insônia

Parte 2

   Uma única palavra encadeada após outra pode oferecer tantas possibilidades de escrita e leitura quanto as noites que se descortinam dentro da noite de um insone ou as leituras diferentes do mesmo texto. Mas cada palavra encerra um significado preciso. “Teto” não é o mesmo que “céu” que por sua vez não é o mesmo que “teto de estrelas”. Mas isso não é óbvio? 
   De certa forma, esta 'precisão' de significado que cada palavra tem (não sou nem um pouco a favor de sinônimos) me lembra a estória do soldado que volta da guerra e se perde nas ruínas da cidade onde nasceu e viveu durante toda a sua vida. Sem conseguir distinguir as ruas e avenidas destruídas, porque cada monumento caído, muro derrubado, árvore arrancada e tijolo pulverizado criavam uma arquitetura diferente da que conhecia, ele se dá conta de que sua casa podia ser qualquer uma e ao mesmo tempo todas. Por isso, decidiu que não teria mais casa, que dormiria ao relento. Deitou-se e admirou o céu estrelado. E assim passou o resto dos seus dias, mesmo depois da cidade ter sido reconstruída.
   Talvez esta pequena estória não faça muito sentido ou não tenha lógica para as pessoas racionais. Mas de que adianta a lógica, o "sentido", se não houver alguma beleza na paisagem (ou na escrita/leitura)? Para um insone, pelo menos um que passe suas noites escrevendo, encadeando palavras em um jogo eterno de criar novas ruínas, ter sentido ou mesmo lógica não é o primordial. 
   A busca será sempre por um momento fugaz e tangível de beleza, como presenciar uma flor nascer da ranhura causada por uma bala de fuzil numa manhã fria de inverno, no exato momento em que uma menininha lambe seu sorvete preferido sentada com seus pais em um banco de praça sob um sol escaldante de verão.