As pérolas de Nasrudim
Ou
Uma crônica de autoajuda
Hoje recebi um convite maravilhoso e irrecusável
para qualquer bom gourmand: almoçar de graça no estrelado
restaurante do chef Claude Troisgros, o Olympe. Debaixo
das cobertas e já com uma pontada de arrependimento na língua, recusei
elegantemente o convite. Desliguei o telefone e a sensação de perda cresceu
vertiginosamente. Claro que eu podia ligar de volta e dizer que havia mudado de
ideia, que estaria lá em meia hora etc., mas o tempo frio e chuvoso prevaleceu
sobre a minha vontade e, assim, permaneci na toca. Porém, não pude deixar de
pensar nas conexões que perdi ao declinar do simpático convite.
Refletindo sobre isso, enxergo claramente que
determinadas escolhas podem modificar drasticamente o curso de uma vida. Alto
lá, meus amigos! Não se precipitem nas suas conclusões. Deixem que termine meu
pensamento. Pense cá comigo: por um lado, é óbvio que o fato de ter escolhido
ficar em casa com meus livros, vinho e coberta ao invés de estar à mesa do Zeus
da culinária brasileira não vai me tirar grandes oportunidades de conhecer tal
ou qual pessoa, saber disso ou daquilo, quando muito tenha me tirado apenas uma
tarde de sublime paladar e prazer na companhia de amigos queridos; por outro
lado, talvez, eu tenha perdido mesmo a possibilidade de conhecer essa ou aquela
pessoa, que pode vir a se tornar importante na minha vida, ou ainda ouvir uma
ideia, palavra, frase, música, que vá, de algum modo misterioso e insondável,
alimentar minha produção artística. Como saber? Nesse caso, agora, não há como.
O passado já era.
Indo mais a fundo nesse raciocínio, penso que os
dois caminhos – ir ou não ir, ficar ou não ficar – encerrem, cada um em suas
respectivas paisagens, um enigma que pode ser tanto uma dádiva quanto uma
armadilha: o que seria melhor, banquetear com Zeus no Olimpo tendo a companhia
de outros maravilhosos deuses ou cear na solidão do campo tendo apenas a
companhia dos faunos, ninfas e seres do séquito de Baco, o deus do vinho? E se
me perguntarem, está certo, mas por que poderia ser uma dádiva ou armadilha?
E, se assim for, como saber diferenciar? Respondo, em primeiro lugar, à
segunda questão: que saber diferenciar só me parece possível conhecendo o
lugar, ou seja, onde cada uma dessas “pérolas”, como as denominou o mulá
Nasrudim, está. Se não ficou claro, talvez a narrativa de
Nasrudim responda melhor às duas questões e de quebra ainda me ajude a
concluir o raciocínio (para o meu próprio bem!).
Segundo as narrativas registram, o imprevisível
mulá Nasrudim resolveu aceitar um desafio lançado aos pretendentes à mão da
filha de um poderoso rei. Muitos sábios famosos haviam tentado e nenhum deles
obteve sucesso. Para se casar com a princesa, era preciso descobrir, somente
olhando, qual de sete enormes vasos continha uma pérola. Os outros estavam
repletos de bichos peçonhentos. Quando chegasse a uma conclusão, o candidato
deveria abrir o pote e pegar a pérola. Quando entrou no salão onde estavam os
vasos, Nasrudim começou a gritar que já tinha resolvido o problema e que
trouxessem logo sua esposa. O rei foi chamado às pressas e quis saber então em
qual vaso estava a pérola. Nasrudim sorriu e disse: “É simples. A pérola está
em todos.” Todos riram do mulá. Ele se aproximou de um dos vasos e, mais uma
vez, falou: “Se a pérola estiver nesse vaso, significa que não está nos outros,
porém se esse vaso contiver cobras, aranhas ou escorpiões, significa que a
pérola não está nele, mas em qualquer um dos outros. Assim, eu digo que a
pérola está em todos.” Então abra e pegue, disse o rei já irritado. Ah, mas
isso já é outra história, retrucou Nasrudim.
Por sorte, na maioria das vezes, não temos que
passar por situações como a do impagável Nasrudim, mas às vezes parece que
lidamos com verdadeiros vasos que podem conter tanto dádivas, quanto
armadilhas. E nesses momentos como saber em qual deles está o quê? Repito: não
acho possível, pelo menos ainda. Mas pensando pela lógica irreverente de
Nasrudim, somos levados a descobrir que a escolha consciente determina sim onde
está a dádiva e onde se esconde a armadilha. Acredito que a dádiva sempre
estará onde você estiver inteiro, mesmo que a escolha não tenha sido das
melhores. Pense: que ele poderia ter “arriscado” abrir um dos vasos, não resta
dúvida, mas a que preço? Sua vida? E pelo quê mesmo? Uma ilusão, uma miragem?
Mas era a princesa, a filha do todo poderoso rei! Se ele tivesse arriscado, se
tivesse acertado o vaso, poderia ter se casado e conheceria um mundo totalmente
novo e cheio de maravilhas, vocês podem indagar. Mas e se não tivesse acertado?
E se, e se... Tenho certeza que Nasrudim sabia bem qual era o prêmio como sabia
também o preço para tê-lo, e assim escolheu o melhor caminho para ele naquele
momento. E, exatamente por isso, ele sabia que a verdadeira dádiva não estava
dentro de um dos vasos, mas na sua escolha consciente entre abrir ou não abrir,
naquele caminho possível e não nos outros supostos e imaginados. E, aliás, como
o próprio mulá finalizou, que o “e se” permaneça no domínio sem fronteiras da
literatura, da arte, porque a vida já é outra história.
Um brinde!
Um comentário:
Magnífico!!!
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